segunda-feira, 25 de junho de 2007

Uma das ultimas entrevistas com Peter Drucker


fonte: HSM

Há pelo menos 10 anos o sr. diz que estamos assistindo à terceira revolução industrial em andamento. Isso é tão importante quanto parece ser? Qual é marca dessa terceira revolução?
O mais importante fato econômico dessa terceira revolução não é a informação, mas a decadência muito rápida do setor industrial, seja como gerador de riqueza, seja como gerador de empregos.
Como gerador de riqueza, não importa o número de unidades de produtos manufaturados, e sim o valor monetário. Nos Estados Unidos, de 1960 para cá, os bens manufaturados cresceram cerca de três vezes em unidades, mas não chegaram a dobrar em valor monetário, uma vez que seus preços atuais são cerca de 40% menores do que há 40 anos, se ajustados segundo a inflação. Em média o poder aquisitivo dos produtos manufaturados é atualmente um quarto do que foi em 1960.
Como geradora de empregos, a decadência da indústria é ainda mais evidente. Os empregos nesse setor representavam 35% da força de trabalho mundial 40 anos atrás e nos tempos atuais são cerca de 16% apenas. Ninguém compreende a razão disso, porque os economistas não se preocupam com as questões estruturais dos setores.
A decadência do setor industrial constitui a característica mais fundamental da terceira revolução industrial. A informação é sua ferramenta mais fundamental.

E quanto aos produtos agrícolas? Para o Brasil, por exemplo, eles são muito importantes.
O poder aquisitivo gerado pelos produtos agrícolas hoje equivale a um quinto do que era há 40 anos, se fizermos o ajuste pela inflação, enquanto o poder aquisitivo dos produtos manufaturados é de um quarto. A diferença é que os produtos manufaturados estão decaindo com maior rapidez do que os agrícolas.
Quanto à geração de empregos de agricultura, os dados internacionais são mais convincentes ainda. Nos EUA, em 1920, mais de 30% da população trabalhava na agricultura, hoje só 3%. Na França, era 40% da população após a Segunda Guerra, hoje é 3%. No Japão era 60% da população após a Segunda Guerra, hoje é 3%.
Esse é um dos problemas do Brasil: vocês ainda são primordialmente exportadores de produtos agrícolas. E isso ficou no passado.

Voltando, então, às características da terceira revolução...
Outra grande mudança que a sociedade está promovendo e da qual tenho falado muito é de ordem demográfica. Nos países desenvolvidos, -com exceção dos EUA, Austrália e Canadá-, a proporção de jovens na população em geral vem despencando como uma pedra atirada das nuvens. E o único motivo de os jovens ainda estarem crescendo nesses três países é a imigração maciça existente ali. Mas, depois de 2020, o número de jovens também diminuirá nos três. E seus índices de natalidade –incluindo os índices ainda elevados de natalidade dos imigrantes recentes- ficarão abaixo do nível de substituição.
Uma terceira característica relevante da nova sociedade em todos os países desenvolvidos e em muitos países em desenvolvimento, até no Brasil, é o surgimento de uma força de trabalho baseada no conhecimento, que eu chamo de “trabalhadores do conhecimento” [knowledge workers]. É o grupo que mais cresce na população economicamente ativa.

O que são exatamente esses trabalhadores do conhecimento? Muita gente acha que são profissionais que fazem mestrado, doutorado etc.
Não, nada disso. São principalmente os tecnólogos do conhecimento -como os fisioterapeutas, por exemplo.
Um dos grandes desafios de todos os países é criar um sistema educacional que sirva para eles. Até o momento, só os Estados Unidos têm um sistema adequado para tanto. A Alemanha está tentando chegar com faculdades para tecnólogos e os japoneses inauguraram em 2001, em Tóquio, o primeiro instituto de ensino superior para tecnólogos. Mas, na maioria dos países, não existe um sistema educacional que prepare tecnólogos médicos, tecnólogos de informática, tecnólogos de fábrica, tecnólogos de escritório -como os assistentes especializados de advogados- e assim por diante. Essa é a parte da força de trabalho que mais cresce.
E há uma coisa essencial a dizer sobre tudo isso: com essa revolução, os meios de produção passam a ser propriedade dos trabalhadores do conhecimento. Isso porque o meio de produção é o conhecimento em si.
Quais as conseqüências revolucionárias desse fato? A mobilidade dos trabalhadores do conhecimento. Eles ganham independência em relação a seus empregados.

As empresas têm consciência desse fenômeno?
Não, a maioria dos empregadores dos países que mais conheço –Estados Unidos, Japão e Canadá- ainda acredita na realidade do século 19 e levará um susto quando descobrir o que está acontecendo.
Esses empregadores ainda acham que o empregado precisa mais do emprego do que eles precisam do empregado. No caso dos trabalhadores do conhecimento, isso certamente não é mais verdade. È claro que eles precisam ter acesso a uma organização, mas possuem mobilidade e ainda são escassos, o que lhes confere muito poder.

O sr. foi o primeiro a apontar a força dos trabalhadores do conhecimento. Como explicar que, em países como o Brasil e a Argentina, contudo, a ameaça do desemprego para os profissionais mais graduados ainda seja considerada tão aterrorizante?
No Brasil acontece exatamente isso que eu disse quando são observados especificamente os trabalhadores do conhecimento. É que talvez eles não passem de um oitavo da força de trabalho no Brasil, ou até menos, e isso talvez não seja percebido. Nos Estados Unidos, isso é mais percebido, porque eles já são 40% da força de trabalho.
Por exemplo, li um relatório sobre o sistema de saúde brasileiro –que, devo dizer, não está em condições muito piores que as de outros sistemas de saúde do mundo. Seus hospitais precisam desesperadamente de tecnólogos: há excesso de médicos no Brasil, como na maioria dos países latinos, e escassez de fisioterapeutas, assistentes psiquiátricos, tecnólogos.
O fato é que o Brasil não dispõe de um sistema realmente eficaz para treiná-los. Suas universidades ainda estão voltadas para o século 19 –formam excelentes engenheiros. E o restante do sistema educacional está mais focado em trabalhadores operários. No meio, existem algumas experiências e um abismo. Esse talvez seja o maior de todos os desafios do Brasil, e veja que seus desafios são imensos. Outro desafio é a oferta de educação continuada para administradores, mas não para todos os profissionais.

O Brasil, no entanto, padece do mesmo mal crônico de toda a América Latina, que é a falta de prosperidade. Como reverter isso? Parece que estamos sempre correndo atrás e nunca dará tempo de alcançar os outros países. O sr. fala da decadência industrial quando nós ainda colocamos nossas fichas na agricultura. O sr. destaca a crescente população de idosos quando nós ainda não sabemos o que fazer com nosso “exército” de jovens...
Tenho observado a América Latina há mais de 70 anos, desde o início da década de 1930. E confesso que nunca conseguir entender a essência do problema desse pedaço do planeta. Quando penso na Argentina, que foi o primeiro país com que tive experiência na região, fico achando que o problema básico é o fato de existir país, mas não existir nação. Por algum motivo, a Argentina não se tornou uma nação, entende?
Mas isso não é verdade no caso do Brasil. Na minha opinião, não há outro país no mundo em que a nação seja tão forte como no Brasil. Eu provo isso com uma história antiga, de 1955. Eu fui ao Brasil e visitei uma joalheria aberta por um refugiado húngaro chamado Hans Stern. Fiquei muito impressionado e, quando fui para o aeroporto pegar o vôo de volta para casa, comentei com um funcionário do Ministério da Fazenda que me acompanhava. “Que notável realização desse refugiado húngaro!”. O jovem me corrigiu prontamente e de modo incisivo: “O sr. Stern não é húngaro; ele é brasileiro!”.
Essa é uma história brasileira; não se repetiria em outros lugares. Estou certo de que não há no mundo maior sentido de nação. Por exemplo, em nenhum país do mundo alguém com o sobrenome Kubitschek, filho ilegítimo de um carpinteiro tcheco, poderia ter sido eleito presidente. Só no Brasil. Não preciso nem comentar a história do operário metalúrgico que chegou a presidente, o Lula.
E digo mais: o povo brasileiro sabe que o Brasil é a mais forte nação do mundo hoje. Até existe no Japão um sentido nacional quase tão forte quanto o brasileiro, mas é excludente. No Brasil, alguém pode chegar e tornar-se brasileiro em cinco anos. Você percebe a força disso?
Bem, por essa razão, sempre analiso o Brasil e a América Latina separadamente.

E como, então, o Brasil pode aproveitar essa força de nação e recuperar o tempo perdido?
No Brasil, vocês têm o enorme desafio de integrar economicamente o Norte e o Sul. Há um longo caminho a percorrer, mas, se formos comparar o que há hoje com o que havia quando estive no Brasil pela primeira vez, vocês já percorreram boa parte do caminho. Sim, vocês estão lidando muito bem com o desafio de integrar o enorme, depauperado, falido e ex-escravocrata Norte ao restante do país.
Devo dizer que vocês no Brasil talvez sejam críticos demais. Quando se coloca o progresso brasileiro num gráfico, observando a tendência geral, eliminando os pontos extremos, sua curva de desenvolvimento é uma das mais fortes da história. Mas os brasileiros parecem só acreditar em extremos: acham que estão lá no alto ou lá embaixo, nunca no meio.
Nos últimos 50 anos, vocês passaram, pelo que acompanhei, por cinco booms econômicos e cinco ou seis colapsos. Mas mostraram, como empresas e pessoas, enorme maleabilidade e resistência.
Politicamente, vocês sempre tiveram governo demais, é verdade. Mas acho que, economicamente, se olharmos para a reta das tendências e não para os pontos extremos, vocês podem não ter crescido tanto quanto o Japão ou a Coréia do Sul, mas cresceram tanto quanto o sul da Europa, o que não é desprezível.

Arriscando-me a parecer um brasileiro autocrítico demais, eu lhe pergunto: como entender a Austrália, que estava bem atrás do Brasil em termos de desenvolvimento até há pouco tempo e agora se mostra bem mais avançada que nós?
Antes de mais nada, permita-me corrigir um idéia comum e equivocada. Apesar de ser um país grande geograficamente, a Austrália é um país pequeno, na realidade, formado por poucas cidades. E isso lhe facilita as coisas. O Brasil, por sua vez, é realmente grande.
Outro facilitador é a enorme quantidade de imigrantes qualificados que migraram para a Austrália no século 20. Primeiro foram os europeus, especialmente húngaros, que foram para lá após a insurreição húngara de 1956. Depois, nos últimos 20 anos, o fenômeno se repetiu com enorme fluxo de asiáticos. Isso mudou a Austrália. E não se pode esquecer que a Austrália tem uma vantagem de uma gigantesca riqueza mineral para exportar.
Mas, a bem da verdade, não acho que a Austrália esteja se saindo muito melhor que o Brasil, não. Quando comparamos as indústrias australiana e brasileira, as duas estão mais ou menos em pé de igualdade, principalmente se analisarmos o Brasil de Minas Gerais para baixo. E, se o sistema agrícola brasileiro é em parte arcaico, a Austrália, como país de clima desértico, nem tem agricultura; lá se criam ovelhas.

Então, em sua opinião, o eixo do desenvolvimento do Brasil deve ser mesmo a integração socioeconômica entre o Norte e o Sul?
Naturalmente há outras questões importantes, mas creio que essa seja a principal, sim. Eu apontaria como questões centrais essa integração e a solução do problema racial. Vocês têm o maior problema racial do mundo, depois da África do Sul –e o estão enfrentando. Ninguém mais poderia fazer o que vocês estão fazendo. Não digo que é perfeito, mas o fato é que ninguém até hoje conseguiu criar uma sociedade verdadeiramente multirracial e vocês estão perto de realizá-lo.
Do ponto de vista das empresas brasileiras, vale comentar que elas não aproveitam bem os excepcionais recursos humanos que possuem. Elas freqüentemente se esquecem dos funcionários, até devido à origem familiar de muitas empresas. Porém isso também está melhorando.
Quero ressaltar uma coisa: aprendi que, no Brasil, as coisas dão certo quando são feitas ao modo brasileiro É um modo que provavelmente não funcionaria em nenhum outro lugar do mundo, mas que funciona no Brasil. Um mistério.

Uma pesquisa realizada no Brasil mostrou que os empreendedores locais são movidos muito mais pela necessidade do que por opção. Quão importante é o empreendedorismo por opção dentro das empresas já estabelecidas?
Bem, posso responder a isso com uma história brasileira de um empreendedor por opção. Conheci um empresário brasileiro na década de 1950 de sobrenome Klabin [Maurício Klabin]. Ele começou seu negócio como importador de papel e, certo dia, disse: “Por que não fabricar aqui?”. Todos tentaram dissuadi-lo. “Deixe disso; é tão barato importar! E você não vai conseguir fabricar papel aqui”, afirmavam. Mas ele insistiu, obstinadamente. Foi visitar usinas de papel e celulose na costa Oeste dos Estados Unidos para entender o processo e começou sua empreitada. Montou suas fábricas ao sul de São Paulo. Visitei um delas. Acho que foi em Curitiba, se não me engano.
Na época em que o conheci, ele só fabricava papel para embalagem. Já tinha 70 anos de idade e queria entrar no ramo dos papéis mais finos. Novamente, as pessoas disseram: “Você é louco. É tão barato trazer lá de fora...”. E ele novamente foi em frente e criou sua própria matéria-prima. Lembro que foi inovador buscar a cana-de-açúcar no Norte –naquele tempo a cana-de-açúcar não era aproveitada, queimavam-na toda. Sei que Klabin desenvolveu papel a partir de todo tipo de matéria-prima. Construiu uma empresa sólida, de sucesso. Trata-se de um empreendedor notável.

Há realmente mais vantagens na estratégia de ser o primeiro a fazer algo em seu mercado?
Grosso modo, tomar iniciativa é algo que funciona duas em cada dez vezes, não mais que isso. Por quê? Às vezes, porque o dono da iniciativa fica ganancioso, quer obter uma margem de lucro elevada e acaba criando um mercado que então não consegue atender, pois seu produto ou serviço se tornou caro demais. Outras vezes, porque esse empreendedor tenta proteger seu mercado com patente e monopólio e, assim, acaba incentivando as pessoas a burlar as proteções.
Mas quem conseguir entrar em um mercado e imediatamente assumir a posição de liderança vai dominá-lo. Vou lhe dar um exemplo com um século de idade: a Eastman Kodak. O sr. Eastman trabalhou durante 20 anos para desenvolver uma câmera para amadores e um filme fotográfico que a acompanhasse. Então, tomou conta do mercado -e o domina até hoje.
Vale mostrar também a outra face da moeda, ilustrada por um caso que aconteceu 60 anos mais tarde, com a xerox e a copiadora. A Xerox teve a vantagem da iniciativa por algum tempo, mas acabou criando mercado para os concorrentes e o perdeu. Quando a iniciativa é bem sucedida, o mercado cresce depressa e você se torna capaz de atendê-lo. Isso é mais comum do que a história da Eastman kodak.
Devo dizer que há uma estratégia de empreendimento segura para evitar que a história tenha o final pouco feliz da Xerox.

Qual é?
Ter parceiros, compartilhar o trabalho e os ganhos com outras empresas. Entre 1875 e 1880, Alfred Nobel inventou o primeiro explosivo não-militar, que jamais poderia ser usado no campo de batalha, e criou o cartel da dinamite. Na região do norte europeu, por exemplo, ele próprio detinha esse direito. Nos Estados Unidos e no Canadá, os direitos foram divididos entre a DuPont e os ingleses, numa joint venture. E assim por diante.
Nobel também inventou as melhorias anuais sistemáticas na produção da dinamite, o que hoje chamamos de kaizen: cada empresa tinha de melhorar tudo 3% ao ano, ou perderia sua licença. Além disso, cada cinco anos todos eram obrigados a reduzir o preço em 20%. Tudo isso tornava impossível que um novo concorrente entrasse no mercado.
Quando introduziu o náilon, mais ou menos no período da Segunda Guerra Mundial, a DuPont licenciou meia dúzia de empresas para fabricá-lo. E quando uma dessas empresas descobria um novo mercado, todas as outras se beneficiavam. Por exemplo, não foi a DuPont que descobriu o mercado de pneus para o náilon, foi uma licenciada.
Já a Xerox não licenciou ninguém. Tentou reter tudo para si e assim abriu caminho para os japoneses. Isso é típico; acontece sempre. Mas a estratégia de dividir o bolo da iniciativa com outras empresas é a estratégia mais lucrativa, quando o produto ou serviço decola.

Chegar primeiro é apenas uma das estratégias. Quais são as outras?
Eu classifico as estratégias de empreendimento em quatro tipos básicos: a do empreendedor que chega primeiro, a do imitador que se aproveita dos erros do pioneiro, a do imitador criativo e a da empresa que encontra um nicho de mercado suficientemente grande demais para atrair concorrentes depois.
Se der certo, a primeira estratégia -de tomar a iniciativa- é a mais lucrativa. Se der certo. Porém ela oferece tantas oportunidades quantos riscos. A mais bem-sucedida e menos arriscada das estratégias é segunda, de aproveitar os erros costumeiros da empresa pioneira. Essa sempre foi, por exemplo, a estratégia japonesa. Quase sempre a empresa pioneira cobra preços excessivos, para se estabelecer com margens de lucro elevadas, e assim cria um mercado que não consegue atender; então, entra o imitador que se aproveita desses erros.
A terceira é a estratégia da imitação criativa. Para ilustrá-la, basta lembrar o que aconteceu com as três grandes montadoras automobilísticas norte-americanas -Ford, General Motors e Chrysler- no mercado de utilitários esportivos e vans. Elas estão sofrendo pesadas baixas impostas pelos concorrentes japoneses; a Chrysler quase foi destruída pela competição japonesa.
Todos estavam dizendo que os japoneses haviam dormido no ponto ao não desenvolver antes esses utilitários esportivos e vans. Mas não foi isso, não. Eles esperaram, estudaram os pontos fracos dos colegas norte-americanos pioneiros e fizeram a imitação criativa. O design americano dos utilitários esportivos foi caracterizado por um centro de gravidade alto, de modo que os veículos capotavam facilmente; então, os japoneses projetaram veículos com centro de gravidade baixo. Os veículos da Chrysler e da Ford ficaram largos demais, o que acabava acarretando constantes batidas e acidentes; os veículos japoneses têm a mesma largura de um carro de passeio normal. E assim por diante. Os veículos japoneses não são mais baratos que os norte-americanos, são melhores.
Por fim, a última estratégia é uma estratégia mista: encontrar um nicho que seja suficientemente grande para montar um negócio lucrativo, mas não grande demais para atrair concorrentes depois de você se instalar nele. É a segunda estratégia mais lucrativa, só que não dura para sempre. Seja porque seu sucesso transforma o que era um nicho num mercado de massa -e, com isso, atrai a concorrência-, seja porque a tecnologia muda, ou a moda muda, e aquele produto de nicho deixa de ser necessário.
Sabe o que eu acho particularmente incrível nisso tudo? É que, com toda a história registrada e estudada, os norte-americanos ainda não aprenderam a não cometer os erros dos quais os japoneses se aproveitam. Acho que o mundo corporativo funciona mais ou menos como o mundo do crime. Todo criminoso comete sempre o mesmo erro; é assim que a polícia consegue prendê-lo.

Qual é exatamente o mesmo erro de sempre das empresas norte-americanas? Quem sabe as empresas brasileiras também aprendem a explorá-lo... [risos]
O erro é fixar preços no limite do que o mercado é capaz de suportar, em vez de criar um mercado; é buscar margens de lucro elevadas, em vez de vender mais para maximizar o preço.
Os empresários norte-americanos não sabem que lucro é igual à margem de lucro multiplicada pelo giro de estoque, pelas vendas; eles acreditam que lucro é iguala margem de lucro. Isso é culpa dos economistas, aliás. A grande fraqueza dos Estados Unidos está no fato de termos economistas demais. Economistas acreditam em margens de lucro. Já os japoneses sabem que lucro é igual à margem de lucro vezes giro. Eles se preocupam com a margem de lucro, mas sabem que o giro é igualmente importante.
Na verdade, algumas empresas brasileiras já aprenderam a explorar isso, como os fabricantes de aviões Embraer.

Como o sr. vê o processo de planejamento estratégico de uma empresa? Ele é fundamental, em sua opinião?
Acho que o planejamento é hoje mais necessário do que nunca, mas creio que precisa ser um pouco diferente do que se pensa. Devo dizer, no entanto, que não acho que possamos planejar do modo como Michael Porter recomenda. Sou um grande admirador de Michael, mas ele pressupõe que podemos obter mais dados do que é de fato possível.
Quando me sento para trabalhar com meus clientes, nós conhecemos os dados internos da empresa, mas não temos praticamente nenhum dado externo -ou, na melhor das hipóteses, temos dados externos insuficientes.
Outro ponto importante diz respeito ao verdadeiro propósito do planejamento. Seu propósito não deve ser “dizer o que devemos fazer”, e sim quando “mudar o que estamos fazendo”.
Por essa razão, um plano estratégico não é um mapa; um plano é uma direção. Confrontamos com ela nossos pressupostos e nossos desvios. Dada essa direção, será que esse pressuposto será válido daqui a três meses?

Como o sr. propõe que se faça planejamento, passo a passo?
Eu começo o planejamento olhando para o que está do lado de fora, não do lado de dentro. A maioria dos planos, ao contrário, começa olhando para o que está dentro da empresa, já que pretendem apontar o que fazer. E o que constitui o lado de fora? Os dados demográficos e populacionais, os mercados, a tecnologia, a concorrência. Isso tudo está em mudança contínua.
Em seguida, faço os executivos das empresas se perguntarem: “O que é valor para nossos clientes?”, “Porque eles compram de nós?”.
Nesse momento, aliás, sempre faço questão de embaralhar um pouco as coisas. Peço que também pensem, com todo cuidado e seriedade, nos não-clientes. Afinal, mesmo a empresa mais dominante raramente possui mais de 30% do mercado, o que significa que 70% dos clientes potenciais não compram dela. Então, os executivos têm de se perguntar: “Por que eles não compram de nós?”, “O que é valor para esses não-clientes?”.
A pergunta seguinte é: “Quais são nossos pressupostos?”. Em outras palavras, quero saber no que a empresa aposta suas fichas e o que ela vê como fatores determinantes. E devemos comparar isso com as mudanças contínuas que nos cercam.
A última coisa a dizer sobre isso é: precisamos verificar constantemente nossas competências essenciais para ver se estão em dia. E devemos estar dispostos a abandonar as coisas que já não fazem mais sentido.

O sr. pode dar um exemplo real desse planejamento?
Acho que posso falar de nossa escola de administração de empresas na Claremont University [a The Peter F. Drucker and Masatoshi Ito Graduate School of Management, perto de Los Angeles, na Califórnia].
Nossa escola foi fundada com ênfase na formação de executivos e, por isso, sempre ministrou muitos programas nas próprias empresas, fora do campus. Isso significa que seus clientes são as empresas que têm necessidade de oferecer educação continuada.
Antes de mais nada, olhamos para fora e vimos algumas coisas. Vimos a superoferta de educação continuada in-company ou on-line. Vimos que o transporte até o campus é cada vez mais um problema para os executivos, por razões de tempo e dinheiro. Vimos que o número de executivos nas empresas tem um crescimento possível bastante limitado, já que as empresas estão cada vez mais enxutas e com maior produtividade. Vimos também que existem 1,3 milhão de organizações sem fins lucrativos nos Estados Unidos, e a maioria é mal administrada. E vimos que essas organizações começam a tomar consciência de sua baixa capacidade administrativa.
Então, reformulando nossos pressupostos –acertadamente, em minha opinião: no futuro previsível, desenvolveremos nosso produto principalmente dentro do campus voltado primordialmente para executivos de organizações sem fins lucrativos. Os mercados existentes fora do campus, tanto on-line como in-company, vão tornar-se secundários para nós. Temos de achar um meio de alcançar aquele mercado
Só então examinaremos nossas competências essenciais e perguntaremos a nós mesmos o que sabemos fazer realmente bem e o que temos de aprender a fazer. Precisaremos responder a outras perguntas: que tipo de pessoa devemos contratar com tudo isso em mente? Que tipo de parceria devemos estabelecer com outras instituições de ensino, para a escola se preparar adequadamente?

De fato, isso não é exatamente o que Michael Porter prega...
Fundamentalmente, Michael pressupõe que podemos contar com cinco a dez anos de continuidade. Há 20 anos, eu também pensava assim; porém isso não é mais possível. Hoje temos de pressupor que teremos de nos adaptar, para conseguir mudar depressa. O foco deve estar dirigido às oportunidades.
O grande perigo da abordagem de Michael hoje em dia é que nos torna focados nos problemas, não nas oportunidades. Torna-nos comprometidos com uma estratégia e, se as coisas não derem certo, somos forçados a trabalhar com os problemas.
Vou lhe dar outro exemplo, mais de mercado de massa. Não faz muito tempo, Coca-Cola e Procter & Gamble fundiram suas marcas secundárias numa nova joint venture independente; trata-se de marcas rentáveis, mas que não servem para os mercados de crescimento possível com que essas empresas trabalham. Em suma, são problemas.
O crescimento possível para essas empresas está nos países em desenvolvimento, onde há famílias jovens –na China, na Rússia, na Índia. Não está na África, porque esta não tem sido muito boa para ninguém.
Portanto, Coca-Cola e Procter precisam de todos seus melhores funcionários para esses mercados em desenvolvimento e não podem desviar energia para as marcas que se aplicam apenas a países desenvolvidos. Então, promoveram, com essa joint venture, o que eu chamo de “abandono organizado” das marcas: não as liquidaram, mas asseguraram que não se afastassem do foco principal. Isso não é Michael Porter; no máximo, é uma adaptação do Michael defende.
Veja bem: Michael nos deu uma estrutura fundamental para o planejamento estratégico, que ele desenvolveu num mundo diferente. Ela continua válida, apenas tem de ser adaptada. E, de modo geral, é facilmente adaptável. Naturalmente temos de nos contentar com conjecturas e palpites, em vez de dados externos precisos.
Assim, podemos pôr o foco nas oportunidades. Por isso, o mais importante em planejamento hoje é modificar os relatórios mensais.

Como assim? O que aconteceu com o relatório mensal?
A primeira página dos relatórios deve mostrar onde estamos nos saindo melhor do que o previsto. Esse é o primeiro indício de oportunidade. O relatório mensal que praticamente todas as empresas do mundo inteiro usam ainda é aquele inventado da década de 1920, que mostra a cada mês onde nos saímos pior do que o esperado.
Tal ênfase nos torna focados em problemas. É preciso lidar com os problemas, é claro, mas isso vem em segundo lugar –a menos que haja um incêndio fora de controle. Normalmente, nosso foco deve ser as oportunidades. E os primeiros indícios de oportunidades são as áreas em que nos saímos melhor do que prevíamos.

Como saber quando essas áreas de desempenho que nos surpreendem positivamente podem, de fato, frutificar?
Sete de cada dez dessas áreas não fazem sentido e são facilmente descartáveis. Uma se mostra arriscada ou cara demais –mas talvez isso só seja percebido em retrospecto. E as outras duas são reais indícios de novas oportunidades.

Nos dias atuais, quais são as grandes tarefas e desafios da administração?
O mais importante é que os executivos tenham em mente o seguinte: são as pessoas que realizam o trabalho. Não é o dinheiro, não é a tecnologia. Portanto, a principal tarefa do executivo –ou, eu diria, seu principal desafio- é tornar as pessoas produtivas. Isso vai ser um desfio ainda maior como o passar do tempo, pois os trabalhadores do conhecimento não se vêem como empregados, e sim como parceiros das empresas. Embora a constatação pareça óbvia, é razoavelmente fácil esquecer quando há 20 páginas de dados financeiros diante de si.
Esta, aliás, é uma pequena lição que aprendi: o que parece óbvio, geralmente é verdadeiro.
A segunda coisa a ser dita é que o bom Deus fez as coisas de tal modo que as árvores não crescessem ininterruptamente até o céu. E não há nenhuma empresa que vai crescer para sempre e sair-se bem para sempre. O período médio de sucesso para a maioria das empresas bem-sucedidas é de 30 anos. Pouquíssimas companhias continuam bem-sucedidas por um período contínuo mais longo do que isso. O que geralmente acontece é que, depois, elas não fecham as portas, mas, mesmo que administradas excepcionalmente bem, passam os próximos 20 ou 30 anos equilibrando-se.

E como explicar, então, o sucesso da General Electric?
Conheço bem a história da GE. Trabalhei mais uma vez como consultor para ela; a última vez foi há dez anos. Seu primeiro período de expansão tremenda, que durou 30 anos, começou por volta de 1920 e seguiu até 1950 ou 1960. Entre 1960 e 1990, ela teve excelentes presidentes, como Fred Borch e Reginald Jones, e a GE cresceu, mas apenas na medida da economia, não mais. Então, veio Jack Welch e houve um novo período de crescimento explosivo. Agora, não creio que se possa esperar que o sucessor de Welch mantenha o mesmo ritmo.
Há exceções, é claro, mas elas só confirmam a regra. Os grandes sucessos do mundo anglo-saxão em meados do século 20, como a Coca-Cola, a DuPont, a Bell Telephone System, a IBM e a Marks & Spencer, enfrentam dificuldades hoje. Isso é normal.
Dito isso, é preciso corrigir a idéia que domina o mercado de ações atual. É ilusória a crença de que as empresas podem aumentar seus lucros para sempre. Árvores não crescem até o céu. Existe algo chamado ciclo de vida normal. Uma vida de 30 anos de sucesso já é bastante extraordinária.
Voltando à empresa brasileira Klabin, de que falamos há pouco. Durante 20 anos, a Klabin viveu uma história de sucesso. Depois, nos 20 anos seguintes, ela pareceu titubear, não? E agora está voltando à vida. Isso é absolutamente normal. Existe algo chamado ciclo de vida, pode acreditar em mim. Na GE, tanto Fred Borch como Reginald Jones eram tão dispostos e capazes como Jack Welch, mas estavam no ciclo de vida errado.

As empresas precisam mesmo ser administradas, já que existe esse ciclo de vida natural?
As empresas têm de ser administradas, sim. Mas isso significa que existem certos fundamentos que a administração precisa levar em conta. Quais são as tarefas da administração, além de tornar os recursos humanos produtivos e de entender os ciclos de vida? É preciso pensar a fundo sobre a teoria dos negócios. Todo executivo deve responder a: “Pelo que, na realidade, eu sou pago?”.
Por exemplo: a administração deve organizar a empresa para que ela assuma a liderança das mudanças. Não é possível gerenciar mudanças, não é possível adaptar-se às mudanças. Só é possível criar mudanças.
A administração precisa também equilibrar constantemente o curto prazo e o longo prazo. O longo prazo, note bem, não é feito de uma sucessão de curtos prazos. Por outro lado, se não formos bem-sucedidos no curto prazo, não haverá longo prazo.

E como equilibrar curto e longo prazos?
Precisamos de medidas diferentes daquelas usadas pela maioria dos administradores. É necessário administrar as diferentes partes envolvidas. Pode-se dizer que, para tudo, sempre existem três mercados: o mercado dos produtos e serviços, o mercado do dinheiro e o mercado das pessoas, dos funcionários. É preciso atender os três.
Aliás, voltando ao que eu já disse sobre o Brasil, não atender bem ao mercado dos funcionários é um ponto fraco das empresas brasileiras.

Contabilizei até agora quatro grandes tarefas ou desafios da administração: tornar os colaboradores produtivos, administrar o ciclo de vida da empresa, criar mudanças e equilibrar curto e longo prazos gerenciando os três “mercados interessados”. A lista está completa?
Há uma última coisa a dizer: a administração precisa funcionar exclusivamente com vista à empresa. Qualquer outra coisa é menos importante. A empresa tem de prosperar e ponto final.

Então, são cinco desafios. Para finalizar: se um grupo de estudantes de administração lhe pedisse para destacar as mais importantes lições que o sr. aprendeu durante a vida profissional, quais seriam elas?
Ah, foram várias... O ceticismo é importante. É preciso ser cético quanto ao que dizem os economistas. É preciso ser cético em relação às estatísticas.
Aprendi sobre isso quando tinha uns 17 anos. Foi quando um amigo de meu pai me disse: “As pessoas não confiam nas estatísticas, ou porque conhecem a pessoa que as inventou, ou porque não a conhecem. Em ambos os casos, os números são suspeitos”. E seguida acrescentou: ”Tenho motivo de sobra para saber. Há 30 anos sou o diretor do departamento de estatística austríaco”. [risos]

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