segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

RELAÇÕES “LÍQUIDAS”


por Patrícia de Sá

Acabo de ler um livro difícil mas muito interessante, “Amor Líquido”, de Zygmunt Bauman. O “líquido” se refere à condição de coisa fluida, que escorre, escapa, sem concretude. Como é o caso de nossos relacionamentos modernos. Veja uma das muitas teses que o livro defende.

Enquanto a comunicação ao vivo traz riscos – assuntos que não desejávamos/esperávamos ou levar mais tempo do que queríamos, a comunicação virtual (email, correio e torpedos do celular) oferece o controle do tema e da duração da “conversa”, com a vantagem extra de só lermos as mensagens, atendermos as ligações ou ouvirmos os recados de quem queremos, até a parte que nos interessa, e eventualmente nem isso, simplesmente apertando “delete”. As relações ficam mais controláveis, os riscos e a nossa exposição emocional diminuem, e podemos criar personagens ou “vender” um falso estado de espírito, mais difícil de disfarçar nas nuances do nosso tom de voz ou quando estamos cara a cara. A presença ao vivo, através linguagem não verbal, revela tantos subtextos e emoções!

O novo mundo de “relações líquidas” caracteriza-se por uma comunicação frequente, com muita gente, geograficamente ampla (não importa o quão longe eu esteja do outro), mas fisicamente desconectada. Você já não se pegou mandando cartões virtuais ou emails para os amigos nos aniversários, ao invés de ligar pessoalmente? Ou expedindo convites coletivos via email ou torpedos ao invés de falar com cada amigo diretamente? Participando de comunidades no Orkut ou no Yahoo com gente que nunca viu nem nunca verá? Mandando torpedos para um paquera para o qual não tem coragem de ligar? O que não dizer dos namoros via Internet, que começam em sites de relacionamento, dando-se buscas massivas para achar sua potencial cara-metade como quem busca mercadorias, ou sendo assediado por todo tipo de malucos? Gente que finge idade, estado civil, esconde sua verdadeira aparência, pretende ser o que não é...

Depois de ler este livro desalentador, tomei uma decisão: vou tentar viver ao máximo no mundo real, puxando conversa e oferecendo um sorriso franco e amigável sempre que possível, falando com as pessoas via fone (ao invés de mandar torpedos ou emails) e marcando encontros ao vivo com os amigos das inúmeras comunidades (do colégio, dos interesses comuns). Sei que não será nada fácil, pois vivemos sem tempo e isso traz o grande risco emocional de ser inconveniente – o outro pode estar ocupado, na defensiva, não interessado etc. Mas a recompensa de encontrar quem esteja na mesma sintonia, ou seja, que ainda não tenha sucumbido totalmente ao virtual por puro medo dos riscos, certamente será fantástica. Tente, porque isso certamente o fará sentir mais humano.

3 comentários:

Unknown disse...

Pat,

O que admirei mais foi sua decisão de mudar e se ater ao mundo real, precisamos de um movimento neste sentido.

Cristóvão

DAVI SIDNEI DE LIMA disse...

Olá...
Obrigado por possibilitar que eu descobrisse o autor dessa expressão "Relações Líquidas". Dia desses participei de um Símpósio sobre Família e Desenvolvimento Humano e um palestrante usou este termo, citou o autor, mas não consegui guardar. Inclusive ele fez uma apresentação ilustrativa deste termo com o filme "Closet: perto demais".
Abraço.

Anônimo disse...

maravilhosa reflexão!!! parabéns!!! obrigado pelo pensamento sintético, que me ajudou a entender melhor e a elaborar uma das minhas aulas. Peço que troque o pano de fundo. Dói os olhos o preto.